CRÔNICA :
Nosso rádio continha, em suas entranhas, as famosas válvulas, tubos de vidro com uns 15 centímetros de altura por 3 ou 4 de diâmetro. Sim, prezado leitor ou ouvinte: era um trambolho pesadão, que funcionava ligado à tomada elétrica. Fabricado antes do tempo dos transístores, componentes que só surgiram em 1947.
Ah, como esquentava aquele bicho falante! Eu, menino curioso, muitas vezes passei raspando por queimaduras ou choques sérios, quando futucava nessa caverna elétrica do nosso Philips, sobretudo tentando girar parafusos sintonizadores que me permitiriam ouvir as emissoras de ondas curtas. E, nas raras vezes, em que conseguia, eu ficava extasiado, paralisado, escutando aquela algaravia, aquela confusão de vozes falando em línguas absolutamente desconhecidas. Foi uma grande descoberta, por exemplo, quando consegui ouvir a famosa rádio BBC, de Londres, que teve papel de destaque na Segunda Guerra Mundial, cessada então em tempo então relativamente recente.
Os rádios, ainda na minha época de menino, eram o centro das residências. Eram janelas auditivas para o mundo, como depois o foi a televisão, que agora anda cedendo o posto para os celulares, tablets e outros aparelhos portáteis. Aliás, leitores ou ouvintes, portabilidade é palavra recente; todos os aparelhos funcionavam plugados; só podiam ser movidos até a ponta de um fio. Entendo como isso deve parecer estranho para os mais jovens. Mas era assim que funcionava.
Quando a TV foi introduzida no Brasil, em 1950, surgiu a figura denominada “televizinho”, que era o vizinho que, não tendo aparelho de televisão, ia “filar” os programas na casa dos amigos. Pois, com o rádio aconteceu a mesma coisa, só que pioneiramente. A primeira transmissão oficial de rádio foi em 7 de setembro de 1922, durante as comemorações do centenário da Independência, segundo os registros da Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão, a ABERT.
No início, claro, havia pouquíssimos rádios e, embora não se tenha cunhado a expressão “radiovizinho”, a realidade foi a mesma da TV, com vizinhos de “carona” nas residências onde havia esses aparelhos que pareciam a alguns quase milagrosos, ao transmitirem à distância vozes e músicas.
Minha vida real e a de rádio-ouvinte foram sempre paralelas – como paralelos são os dois fios das conexões elétricas de corrente alternada. Era um prazer ouvir programas de rádio, que são as matrizes de tudo o que se ouve hoje em dia, e mesmo do que se faz na televisão.
Para mim, a palavra mais importante associada ao rádio é… imaginação. Novelas, por exemplo, comprovam perfeitamente isso. Nas novelas vistas pela TV, lá estão os personagens, os atores caracterizados, os cenários montados, os textos falados, as músicas associadas às tramas.
Claro que vivenciar uma novela de televisão quase como sendo algo de verdade exige um bocado de imaginação. Mas, imagine, caro leitor ou ouvinte, o caso das novelas no rádio. Esse veículo nos apresenta apenas as vozes, sendo o resto pura imaginação.
O rádio exige tudo da imaginação, e permite que cada um use sua capacidade imaginativa para construir sua própria novela. Isso é exatamente como na literatura: os livros nos apresentam somente letras, palavras e frases alinhadas nas páginas. O restante incumbe a cada leitor imaginar. Não há, pois, histórias iguais a partir de um mesmo livro. Existem tantas histórias quanto o número de leitores de cada uma delas.
O que é verdade na literatura é, igualmente, verdadeiro com o rádio. Na novela radiofônica, são dados ao ouvinte apenas o som das vozes dos atores, os fundos musicais e os ruídos produzidos pelos sonoplastas. Com esses elementos é que o rádio criou e construiu seus programas e os instalou, para sempre, na imaginação e no coração de seus ouvintes.
Tenho que interromper esta crônica, prezado leitor, leitora ou ouvinte, que ela já se torna muito longa. Vou retomar daqui a próxima desta série de crônicas sobre o rádio na minha vida.
Whatssap - 71 9 9229 5730 da Radio Nova Cidade
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